domingo, 29 de maio de 2011

Sobre democracias, polis e criticas

Em entrevista recente ao Jornal Gazeta, disponivel no sitehttp://www.jornalgazetadovale.com.br/, o Prefeito de Cambui, Guimenti, afirma que “após um período em que a democracia ficou esquecida, [Cambui] também está aprendendo a fazer política”. Mais a frente, dirige-se aos cambuienses e pede para que “sejam todos parceiros da administração municipal, pois somente criticar é fácil, o difícil é realizar. Adaptamos aqui a famosa frase “não pergunte o que Cambuí pode fazer por você, mas o que você pode fazer por Cambuí”.

Uma avaliação dessas falas se impõe, pois elas mostram uma incoerência na posição do Prefeito que expressa bem uma situação politica muito mais profunda que atinge a cidade ha anos. O Prefeito Guimenti tem razão em dizer que vivemos numa democracia. Mas de que democracia se trata? Ele se refere evidentemente à democracia representativa, aquela em que os cidadãos, com direito a voto, escolhem por meio dele seus “representantes” no executivo e no legislativo, em nivel Municipal, Estadual e Federal. Ora, a democracia representativa ja foi colocada em crise ha muito tempo, pois aqueles que deveriam representar os diversos segmentos da sociedade, nada mais representam muitas vezes do que os interesses de um grupo ou de um partido. A democracia participativa foi um conceito que veio tentar oferecer um novo modelo em que os diversos setores da sociedade, além de elegerem seus representantes, participariam efetivamente através de diversos dispositivos nas decisões mais importantes da comunidade (orçamento, por exemplo). Não é o caso de Cambui em que a maior parte dos cidadãos, infelizmente, ainda não esta organizada, nem ha da parte da Administração um interesse em que ela se organize, criando e fazendo funcionar dispositivos para facilitar essa organização (por ex. através de Conferências tematicas, em Cultura, Saude, Educação, etc.).

Isso cria uma situação politica VERTICAL, de cima para baixo, em que as decisões e os projetos são decididos em Gabinetes e apresentados à sociedade sem nenhuma intervenção da população em sua elaboração, visando satisfazer primeiramente aos interesses da minoria instalada no poder, que detem o controle da maquina, ao passo que a democracia participativa é HORIZONTAL, os cidadãos participam diretamente da elaboração de projetos, ajudam a decidir onde se vai investir. Em Cambui é evidente o abismo entre Administração e população, devido a essa estrutura vertical, de cima para baixo, caracteristica de uma democracia representativa caduca, jurassica, ultrapassada e elitista. Dado que o Prefeito Guimenti fez referência à raiz grega da politica, citando a polis, a cidade grega, eu me permito lançar mão do mesmo recurso para caracterizar a conjuntura politica cambuiense durante os ultimos 14 anos: é uma democracia sem demos, sem povo, distante dele (demos significa “povo” em grego, e esta na origem da palavra “democracia”).

É aqui que a segunda fala do Prefeito deve se fazer objeto de analise. Com efeito e com razão, ele apela à população para que ela participe da Administração, seja parceira. É louvavel que um administrador conclame assim seus concidadãos. Entretanto, em seguida, percebemos COMO podemos ser parceiros. É apoiando o que eles decidem em seus gabinetes fechados, em suas reuniões e encontros de que participamos apenas vendo as fotos de apertos de mãos exibidas na imprensa da cidade, que alias serve, muitas vezes, de porta-voz da administração (reparem que não ha nenhuma pergunta sobre os problemas da cidade, por quais dificuldades ela esta passando, por exemplo, o caso do Hospital). Isso é evidente quando o Prefeito deixa claro que “criticar é facil”, dificil é “realizar”. De que democracia falamos então? Numa democracia em que somente temos o direito de ser parceiros dos projetos que nos são oferecidos de cima para baixo? E quando setores da sociedade não esta de acordo com a administração e exerce o seu direito de criticar? São considerados como gente que não tem mais nada o que fazer e que ocupa seu tempo com facilidades como fazer ... criticas? O Prefeito é infeliz em sua frase pois confunde “critica facil” com “criticar é facil”. Ora, uma democracia pressupõe a divergência meus amigos. Criticar é dificil, sobretudo quando os criticados parecem se achar soberbamente imunes a qualquer critica.

É conhecida a frase de Voltaire, que entendia duas ou três coisas de polis, res-publicae democracia: “Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres”. Voltaire nos ensina justamente o laço inalienavel que une democracia e critica. Fazer critica não é facil, é dificil, exige trabalho, avaliação, responsabilidade e, sobretudo, amor à democracia real, não de fachada, pois ninguém pode de maneira soberda achar que tudo esta perfeito, que todos devem estar de acordo com tudo o tempo todo. Numa Democracia Real, não somente a critica existe como deve exister, é saudavel que exista.

Por fim, é bom que não se confunda Cambui com a Administração, o que infelizmente parece ter ocorrido na fala do Prefeito, pois apos dizer que “criticar é facil” e conclamar a todos os cidadãos a serem “parceiros da Administração municipal”, ele usa a tal da “famosa frase”: “não pergunte o que Cambuí pode fazer por você, mas o que você pode fazer por Cambuí”. Ora, numa democracia real, podemos ser parceiros e fazer muito pela cidade, pelo Estado, pela Nação, criticando a Administração, o Governo, mostrando as incoerências, os equivocos, exigindo mudanças, apontando falhas. Alias, a historia nos ensina amargamente que não era na democracia, mas em regimes totalitarios ou autoritarios que aqueles que discordavam e que criticavam tiveram seu direito caçado, ameaçado ou simplesmente depreciado.

Com muita satisfação, ofereço essa singela contribuição a Cambui, em tom critico, sim, sem medo e convicto de que não ha Democracia Real critica, nem polis sem a pluralidade de vozes discordantes.


Escrito por: CLEBER LAMBERT

Nenhum comentário:

Postar um comentário